Bons pais conversam, pais brilhantes dialogam como amigos

quinta-feira, 22 de maio de 2008






Augusto Cury

Este hábito dos pais brilhantes contribui para desenvolver: solidariedade, companheirismo, prazer de viver,otimismo, inteligência interpessoal.



V

imos que o primeiro hábito dos pais brilhantes é deixar seus filhos conhecê-los; o segundo é nutrir a personalidade deles; o terceiro é ensiná-los a pensar; o quarto é prepará-los para as derrotas e dificuldades da vida. Agora, precisamos compreender que a melhor maneira de desenvolver todos esses hábitos é adquirir um quinto hábito: dialogar.

Bons pais conversam, pais brilhantes dialogam. Entre conversar e dialogar há um grande vale. Conversar é falar sobre o mundo que nos cerca, dialogar é falar sobre o mundo que somos. Dialogar é contar experiências, é segredar o que está oculto no coração, é penetrar além da cortina dos comportamentos, é desenvolver inteligência interpessoal (Gardner, 1995).

A maioria dos educadores não consegue atravessar essa cortina. De acordo com uma pesquisa que realizei, mais de 50% dos pais nunca tiveram a coragem de dialogar com seus filhos sobre seus medos, perdas, frustrações.

Como é possível que pais e filhos vivam debaixo do mesmo teto por anos a fio e permaneçam completamente ilhados? Eles dizem que se amam, mas gastam pouca energia para cultivar o amor. Eles cuidam da parede trincada, dos problemas do carro, mas não cuidam dos trincos da emoção e dos problemas da relação.

Quando uma simples torneira está vazando, os pais se preocupam em repará-la. Mas será que eles gastam tempo dialogando com os seus filhos para ajudá-los a reparar a alegria, a segurança ou a sensibilidade que está se dissipando?

Se pegássemos todo o dinheiro de uma empresa e o jogássemos no lixo, estaríamos cometendo um grave crime contra ela. Ela iria à falência. Será que não temos cometido este crime contra a mais fascinante empresa social — a família -, cuja única moeda é o diálogo? Se destruirmos o diálogo, como se sustentará a relação “pais e filhos”? Ela irá à falência.

Devemos adquirir o hábito de nos reunir pelo menos semanalmente com nossos filhos, para dialogar com eles. Devemos dar-lhes liberdade para que possam falar de si mesmos, das suas inquietações e das dificuldades de relacionamento com os irmãos e conosco, seus pais. Vocês não imaginam o que essas reuniões podem provocar.

Se os pais nunca contaram para seus filhos os seus mais importantes sonhos, e também nunca ouviram deles as suas maiores alegrias e suas decepções mais marcantes, eles formarão um grupo de estranhos e não uma família. Não há mágica para construir uma relação saudável. O diálogo é insubstituível.

Procurando amigos

Há um mundo a ser descoberto dentro de cada jovem, mesmo dos mais complicados e isolados. Muitos jovens são agressivos e rebeldes, e seus pais não percebem que eles estão gritando através de seus conflitos. Os comportamentos inadequados muitas vezes são clamores que imploram a presença, o carinho e a atenção dos pais.

Muitos sintomas psicossomáticos, tais como dores de cabeça ou dores abdominais, também são gritos silenciosos dos filhos. Quem os ouve? Muitos pais levam seus filhos a psicólogos, o que pode ajudar, mas, no fundo, o que eles estão procurando é o coração dos pais.

Uma sugestão: se você tiver condições, desligue a TV aberta e fique apenas com a fechada. Se tomar esta atitude, provavelmente você ficará espantado com o salto na relação de seus filhos com os irmãos e com você. Eles serão mais afetuosos, dialogarão mais, terão mais tempo para brincar e se divertir. Assistirão a menos canais apelativos e a mais canais contemplativos, que falam sobre natureza e ciência.

E quem não tem TV fechada? Aqui vai uma outra sugestão para todos os pais, ainda mais importante do que a primeira. Chamo-a de “projeto da educação da emoção” (PEE): desliguem a TV durante uma semana completa a cada dois meses e realizem coisas interessantes com seus filhos. Planejem passar seis semanas ao longo do ano com eles. Pais e filhos, mesmo que não viajem para lugares longínquos, devem viajar para dentro uns dos outros.

Combinem o que farão. Vão para a cozinha juntos, inventem novos pratos, contem piadas, façam teatro familiar, plantem flores, conheçam coisas interessantes. Fiquem todas as noites com seus filhos em cada uma dessas semanas. Façam do PEE um projeto de vida.

O maior desejo dos pais deveria ser que seus filhos fossem seus amigos: diplomas, dinheiro, sucesso são conseqüências de uma educação brilhante. Eu tenho três filhas. Se elas não se tornarem minhas amigas, serei frustrado como pai, mesmo que seja um escritor mundialmente respeitado. Apesar de ser especialista em conflitos psíquicos, eu também erro, e não poucas vezes. Mas o importante é saber o que fazer com os erros. Eles podem construir a relação ou destruí-la. Por diversas vezes, pedi desculpas às minhas filhas quando exagerei em minhas atitudes, fiz julgamentos precipitados ou levantei minha voz desnecessariamente. Assim, elas aprenderam comigo a se desculpar e a reconhecer seus excessos.

Algumas pessoas que me viram tomar essa atitude ficaram impressionadas. Diziam: “O Cury está pedindo desculpas para suas filhas?” Nunca viram um pai reconhecer erros e se desculpar, ainda mais um psiquiatra. Muitos filhos de psicólogos e psiquiatras adquirem conflitos porque os pais não se humanizam, não conseguem falar ao coração deles e ser admirados por eles.

Não quero filhas que me temam, quero que elas me amem. Felizmente, elas são apaixonadas por mim e por minha esposa. Se há amor, a obediência é espontânea e natural. Não há coisa mais linda, mais poética, do que pais serem grandes amigos dos seus filhos.

A pérola do coração

Abraçar, beijar e falar espontaneamente com os filhos cultiva a afetividade, rompe os laços da solidão. Muitos europeus e americanos sofrem de profunda solidão. Eles não sabem tocar seus filhos e dialogar abertamente com eles. Moram na mesma casa, mas vivem em mundos diferentes. O toque e o diálogo são mágicos, criam uma esfera de solidariedade, enriquecem a emoção e resgatam o sentido da vida.

Muitos jovens cometem suicídio nos países desenvolvidos, porque raramente alguém penetra no mundo deles e é capaz de ouvi-los sem preconceito. Existe um conceito errado na psiquiatria sobre o suicídio. Quem comete atos de suicídio não quer matar a vida, mas sim a sua dor.

Todas as pessoas que pensam em morrer no fundo têm fome e sede de viver. O que elas querem destruir é o sofrimento causado por seus conflitos, a solidão que as abate, a angústia que as solapa. Fale isso para as pessoas deprimidas, e você verá brotar a esperança em seu interior. Na minha experiência, pude ajudar muitos pacientes a encontrar coragem para mudar as rotas da sua vida por dizer tais palavras. Alguns entravam no consultório desejosos de morrer, mas saíam convencidos de que amavam desesperadamente viver.

Numa sociedade em que pais e filhos não são amigos, a depressão e outros transtornos emocionais encontram um meio de cultura ideal para crescerem. A autoridade dos pais e o respeito por parte de seus filhos não são incompatíveis com a mais singela amizade. Por um lado, você não deve ser permissivo nem um joguete nas mãos dos seus filhos, por outro, você deve procurar ser um grande amigo deles.

Estamos na era da admiração. Ou os seus filhos o admiram ou você não terá influência sobre eles. A verdadeira autoridade e o sólido respeito nascem através do diálogo. O diálogo é uma pérola oculta no coração. Ela é tão cara e tão acessível. Cara, porque ouro e prata não a compram; acessível, porque o mais miserável dos homens pode encontrá-la. Procure-a.



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Extraído do livro: "Pais Brilhantes, Professores Fascinantes".

Editora: Sextante

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